Toda mãe tem um pouco de tradutora – e vice-versa

Toda mãe tem um pouco de tradutora – e vice-versa

Mais um Dia das Mães se aproxima. O tema de como conciliar maternidade e vida profissional no mundo atual dá muito pano para manga — e há sobre ele uma lista imensa de artigos, teses e discussões das mais profundas. Mas por agora, neste espaço, fiquemos apenas com a constatação de que a maioria dos profissionais do mundo da tradução, no Brasil, é formada por mulheres. E isso me faz pensar em como a maternidade tem características que muito enriquecem o nosso trabalho.

Para começar, me dei conta de que normalmente as mães são nossas primeiras tradutoras. Não raro, só a mãe consegue decifrar aquela palavra, frase ou intenção que seu bebê ou filho pequeno fala de forma toda singular, e depois traduzir aos outros o que ele quis dizer. Ela conhece seu “cliente” como ninguém e entende o que ele quer dizer além das palavras: por sua expressão facial, gestual, entonação e até o momento quando fala. Além de entender, muitas mães também conseguem falar com seus filhos de maneira muito mais eficiente que outras pessoas. Elas sabem que palavras usar para que seu filho entenda a mensagem que vai receber, além de saber exatamente qual tom, vocabulário e contexto serão necessários para que a mensagem chegue ao interlocutor de forma plena. Sabem se adaptar à linguagem e capacidade de compreensão de seu pequeno interlocutor. Enfim: entre mães e filhos, a linguagem mais usada, falada e entendida é a linguagem do coração.

Sua capacidade de foco também é invejável: quantas vezes já conversei com mães que conseguiam se engajar plenamente numa conversa comigo enquanto o filho não parava de fazer barulho ao seu lado! Isso sem falar que toda mãe é multitarefa: penso que nenhuma delas sobreviveria se não conseguisse fazer muitas coisas ao mesmo tempo.

Todas essas características maternais são preciosas a um tradutor e a um intérprete. Saber entender um palestrante que faz sua apresentação em uma língua que não é a sua, entender uma pronúncia não muito clara e dar conta de uma gama de sotaques são ativos preciosos para um intérprete de conferência. Conseguir adaptar a linguagem do palestrante ou escritor à cultura e realidade da plateia ou leitor, usar o tom certo, resumir para deixar a compreensão mais clara e eficaz também são habilidades essenciais. O foco para conseguir ignorar todos os ruídos e atividades periféricas ao redor de uma cabine ou ambientes inusitados aos quais se acompanha um grupo como intérprete é outro talento “materno” muito enriquecedor para intérpretes. Ouvir, falar e anotar ao mesmo tempo é questão de sobrevivência na profissão. Perceber aquilo de que seu colega de cabine precisa enquanto ele mesmo não pode perder o foco, estar atento às necessidades do colega e da plateia, conseguir compreender toda essa linguagem não falada: tudo isso são coisas que as mães desenvolvem e podem fazer a diferença entre intérpretes e bons intérpretes.

Enquanto muitos acreditam que a maternidade pode ser um empecilho à realização profissional, vejo com muita satisfação que há uma série de habilidades extraordinárias que a maternidade pode acrescentar às profissionais tradutoras e intérpretes. Por último, mas não menos importante, as boas mães se empenham ao máximo para que seus filhos sejam pessoas independentes e realizadas; tradutores e intérpretes se realizam quando a mensagem de um outro autor chega bem a seu destino. Em ambos os casos, o grande sucesso acontece quando o outro consegue brilhar e o ápice da realização dos tradutores e intérpretes é compreender, falar e transmitir verdadeiramente a linguagem do coração. São dois trabalhos altruístas, e o mundo está precisando bastante disso. Menos competição, mais colaboração. Menos ego, mais ubuntu: “eu sou porque nós somos”.

Feliz Dia das Mães!

 

 

Autora: Cristiana Coimbra – intérprete e tradutora

Revisão: Meg Batalha – intérprete e tradutora